Prosa dos Ventos

  Foto: Alda Carvalho Somos cegos de nascença ou de cegueira adquirida ao longo da vida Cegos por não vermos ou por não querermos ver Cegos duma cegueira intrínseca ou postiça de uma cegueira contínua ou passageira cegos pelos nossos preceitos ou preconceitos   Cegos pelas nossas dores pelos nossos temores e amores  Cegos pelas lágrimas que chorámos ou que ainda temos de chorar Cegos de alegria ou de tristeza cegos de noite escura invadidos e submergidos   Precisamos de luz mas não em excesso que também cega luz sobre nós e sobre o que vemos sobre o que sentimos sobre o que cremos luz verdadeira para uma visão pura e inteira

  Vou-me adormentar de poesia de poesia que capto nas palavras poesia que vejo ao meu redor sendo a melhor poesia a do Criador A Natureza na mais profunda beleza sussurra poesia constantemente de forma subtil ou veemente   Vou-me adormentar de poesia como antídoto para a dor dor física ou dor de alma dor própria ou de quem amamos e não podemos evitar ou atenuar dor presente pressentida ou presumida mas dor premente   Vou-me adormentar de poesia de palavras poderosas de palavras sedativas que animem a alma que me enfrentem me distendam me aumentem e não me desalentem   E nesta tessitura de palavras me deito e deixo embalar sabendo que pedregosos caminhos é forçoso atravessar

Pintura a Acrílico: Alda Carvalho As serras descerram paisagens planos sucessivos de longes e de pertos onde nos apetece perder   por vezes escalvadas de cores variadas castanhos cinzas e beges no topo   densos verdes e casarios brancos nos vales   brumas costumam habitar essas paragens tecendo um labirinto mágico  que convida a percorrer e desvendar    

Foto:Alda Carvalho                                                                   A noite por vezes é má companheira se a escuridão ronda as reminiscências as menos felizes e as mais amargas mesmo as ainda não acontecidas   A noite por vezes é má companheira quando a angústia cresce em torvelinho e monstros assomam às nossas mentes como sombras cinzentas desmedidas   A noite por vezes é má companheira se acordes discordantes de medos antigos se entrelaçam com medos do presente e a ansiedade vira encapelado mar onde nos perdemos e tememos naufragar  

  Foto: Alda Carvalho Noite de insónia o tumulto dentro de mim lá fora o vento e o frio e o apelo do rio   Atravesso a ponte a água cai em cascatas e a calma  entra em mim   um ponto de encontro o tumulto das águas  com o tumulto interior em confronto um lugar mágico  no meio do tumulto um portal para a mente no silêncio tumultuado   à roda das águas   o tumulto ausente