Respirar a manhã
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Foto: Alda Cravalho |
Amanheci com um infinito de céu azul irradiando uma luminosidade diáfana. No acto de me espreguiçar e sorver a manhã senti o apelo do rio. Respondi ao chamado.
Esta manhã generosa, de princípios de outono a prolongar o verão, comove-me.
O meu fito é o rio e os reflexos da manhã e aguardo a surpresa, porque sei bem que cada dia é diferente. Tudo flui, se desvanece, se recompõe, se amplia, nas suas relações sempre inconstantes.
Há uma multidão a percorrer os passadiços nesta parte do rio com ganas de mar.
Sobrevoo o sapal, através dos passadiços, que é tudo menos monótono. A subida e descida da maré alteram a sua geografia e os seres que lhe debruam as margens vivem em constante reboliço.
Em contínua observação vou sempre mais além do que o pensado. É o rio e as suas margens que me guiam. Absorvo a sua luz e os seus movimentos, indiferente aos passantes sobre duas pernas ou duas rodas.
Os flamingos, na sua dança de cariz clássico, concentram a minha atenção, mas os passariformes em voos cruzados, desenhando danças mais frenéticas, mais inconstantes, são igualmente belos. Outras aves apenas poisadas, também elas saboreando a manhã, ou apenas confraternizando, diversificam a paisagem.
Detenho-me mais longamente num grupo de flamingos muito próximos. Alguns deslocam-se ritmadamente num vai vem contínuo de pescoços, com bicos enterrados na lama, pesquisando os petiscos que a maré deixou. Outros em fila, no seu andar magestoso como bailarinas em pontas, vêm juntar-se ao grupo.
Há uma certa agitação e uns grasnares diferentes que não consigo descodificar. Alguns pescoços curvam-se, os bicos aproximam-se formando um coração. Será de amor que estão falando? Mas ouço grasnares que parecem mais uma disputa ou um chamado.
Subitamente um bando de flamingos voando e exibindo os laranjas e pretos das suas grandes asas abertas, aterra elegantemente junto aos anteriores. Há evidentes sinais de comunicação entre eles. E parece haver ali um grande maná!
Depois tudo se acalma e o ritmo do grupo é marcado pelo balanceado incansável dos longos pescoços a procurar alimento.
Eu retorno ao meu passar atento à paisagem mutante e regresso a casa com a alma cheia da beleza matinal.
Belo passeio e ainda melhor começar de dia !!!
ResponderEliminarAlma cheia da beleza matinal e ... de reconhecimento à ... Natureza (Deus).
Maravilhoso passeio que dei aqui contigo, lendo esta riquíssima prosa poética. Descreves tão bem lugares, seres e sentimentos!
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