Medos *


Medo
é um monstro com muitos braços
que nos amarra e tolhe os passos
que nos isola e angustia
e está à espreita noite e dia

Medo
é  uma prisão que rouba o presente
que nos enlouquece
que nos esmaga o peito e tira o ar
que nos embrutece

Ter medo
é um desnorte
é não crer no amanhã
é perder o sentido da vida
e antecipar a morte

Ter medo
é naufragar no caos
é não dormir ou dormir acordado
é não ter poder sobre nós nem sobre nada

Vivemos num oceano de medos
que nos faz sofrer
temos medo de adoecer
medo de perder alguém
e também
de perder as nossas mordomias
medo de não sermos amados como julgamos merecer
medo de não sermos capazes de fazer acontecer
medo que o futuro nos desiluda
medo que o passado nos volte a bater à porta
medo da cepa torta
medo da  solidão e das multidões
medo de aranhas e de furacões
medo das alturas
e das agruras da vida
medo do novo e do que há-de vir
medo de não acordar
ou de não dormir
medo de sonhar

medo da morte
que não queremos aceitar

Temos medo de tudo afinal
mas o que se revela fatal
é o medo de ter medo

Há que procurar uma luz no fundo do medo


*Do meu livro “Sopros de Alma”, 2011, Editorial Minerva (reformulado)


Comentários

  1. Pois julgo eu que esse medo que percorre todas as coisas - ou nos percorre a nós e o levamos a todas as coisas - é só às vezes. E que, na larga maioria do tempo, vivemos e reinamos eternos, gozando a efeméride como se não tenha fim. Não sei se isso se chama medo de ter medo, mas, dada a conjuntura, até me parece saudável :). A melhor consciência da finitude é a que se pensa infinita no sentir, que não no tempo. E é nesse exacto lugar que a amplitude do finito é infinita.

    Bonita a tua reflexão sobre o medo. O mesmo medo que nos condiciona e faz a vida - dizem os entendidos.

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  2. Que bem descreves o medo! O problema é mesmo quando nos tolhe, nos impede de raciocinar e de agir. Por vezes, é difícil controlá-lo, quanto mais confrontá-lo. Infelizes são os que vivem em medo constante, por situações de guerra, de fome, de opressão, de cativeiro até. Esse é o terror. Felizes os que apenas temem "o papãozinho do telhado" e o medo do escuro.

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  3. É sempre com grande prazer que leio este excelente poema,que trata um tema tão delicado, sensível e comum a tanta gente:o medo.
    Tão bem descrito e apaixonante,explicando bem as nossas reacções e contornando-as de maneira a minimiza-las.

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  4. Fabuloso. Haverá alguém sem medos? Aqui fica o desafio: Como aproveitar os nossos medos para crescer espiritualmente?E se conseguisses responder com a tua intuição e jeito especial de dizer as coisas?

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  5. Hoy, 21 de marzo, comienzo de la primavera,sumidos en el miedo por el coronavirus 19, se corrobora tu definición perfecta de ¨miedo ¨ .También hoy es el día mundial de la poesía y qué mejor ocasión que elegir dos versos de tu poema para celebrarlo.´Temos medo de adoecer¨ ¨temos medo de perder algém ¨medo da solidao e da multidoes. ¡ Enhorabuena¡ lo escribiste en agosto al calor del verano y nos sirve para expresar lo que sentimos en esta fría primavera ¡

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  6. Medo e medos.
    Tantos medos, fomos criados desde bebés com medos
    medo do papão velho, medo da maria negra que vem do fundo do poço,medo do pai, medo do polícia,medo dos rapazes e de tantos outros medos que fomos vencendo e já não nos lembramos.Mas o que não esperávamos era que nesta fase da nossa vida aparecesse esta coisa invisível que ultrapassa todos os medos de tal maneira que nos confina em casa.Mas não nos podemos deixá-lo vencer-nos vamos encher-nos de coragem e precaução para sermos nós a vencê-lo e sentimos o gosto de vencermos este medo, assim como tantos outros que temos vencido.
    Parabéns pelo poema descreve bem os nossos medos.

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