Subindo para Kalavrita*

 

Foto:Tiago Carvalho



Subindo para Kalavrita

penetramos no ventre da montanha

o combóio chia por todos os poros

no escuro quente e macio

 

De súbito  à luz os olhos cegam

e deslumbram-se

 

Um rio corre em rápidos e cascatas

no fundo da montanha a pique

folhas e raízes de árvores desnudadas

retorcidas  em posições acrobáticas

escondem a fita prateada e revolta

 

Avançamos suspensos sobre o abismo

ao som dos ferros fumegantes do combóio

a água redemoinha sob túnel de folhas iluminadas

nascem arco-íris das gotículas projectadas

 

Abraçados pela montanha

prosseguimos no deslumbramento

vamos a caminho de Kalavrita

no Peloponeso  na Grécia  na maravilha

 

Trepando impossíveis ravinas

passamos um pequeno planalto

com árvores despidas em cinza

o ar é límpido e transparente

 

Entre o abraço apertado da montanha

o rio serpenteia ora de um lado ora do outro

sempre com águas revoltosas e barulhentas

quando o abraço se desfaz 

a montanha parece pintada e desenhada a cinzel

 

O comboio abre caminho entre rochas que tocamos

cortando  rodeando  abraçando

fundindo-se com elas

sempre ofegante  e rangendo

cumprindo um ritual de amor eterno



                                                                                    *(Recordações de tempos anteriores à pandemia)

 

 

Comentários

  1. Magnífica descrição da paisagem, parecendo ao leitor que também está a viajar desfrutando desse maravilhoso passeio e lendo este encantador poema.

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  2. Benditos os poetas porque têm olhos e vêem além deles. Os que escutam. Os que sentem o coração das coisas como se seja o seu próprio e comungam da natural vibração do mundo. Benditos sejam porque deles é o reino da beleza.

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  3. A ponte projetada na janela e as palavras com que a emoção do viajante descreve o movimento do comboio pela paisagem com rio, montanha, vegetação, ravinas traçam as linhas e cores do quadro que cada um de nós constrói ao ler o poema. Estamos a ver, a sentir de respiração suspensa, a maravilha da viagem, a luz e sombra, a altitude, o deslumbramento. Pela construção do poema, sentimos que os versos são eles próprios o comboio. Apanhamo-lo com fascínio.

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