De Azenhas do Mar aos passadiços do Magoito

Foto: Alda Carvalho

Foto: Alda Carvalho


 







                                    

O amolecimento natural após um almoço em família. O verde predomina. Sopra um vento fresco e os sentidos preguiçam. Uma boa caminhada é alternativa à rede ou à espreguiçadeira. Descobrir o tão badalado caminho pedestre até aos passadiços na praia do Magoito. Consigo um companheiro.

Começamos a caminhada em direção às Azenhas do Mar. Ali chegados tomamos a estrada, já do lado Norte, espreitando a piscina natural. O caminho começa do outro lado da linha de água. Esse troço curto, mas violento, subida e descida íngreme, obrigava-nos a voltar atrás. Deixamo-lo para outro dia. Procuramos o trilho e lá estão as setas. Abeiramo-nos da arriba com muito respeito. A vegetação é rasteira e o vento sopra forte. De vez em quando há indícios de desmoronamentos. Caminhamos perto do abismo mas não tão perto que possa causar vertigens. Inclinamos o corpo para o lado contrário, instintivamente. O sol aproxima-se do poente. E essa magnífica paisagem de ondas sucessivas  com cristas brancas douradas pela rasante do pôr-do-sol acompanha-nos. Não se avista qualquer nuvem. Tomamos atenção às passadas. Estamos a descobrir. O caminho apesar de monótono é muito belo. De um lado a vegetação rasteira, do outro o mar com o sol a engrandecê-la.

Avistamos a praia da Aguda. Nalguns locais o caminho foi mordido por uma derrocada. Com cautela tiramos umas fotos. Vão aparecendo casas isoladas próximo da arriba, pintadas de branco. Não há ninguém fora de muros. Casas de janelas e portas bem fechadas.

Junto à praia da Aguda resolvemos descer e caminhar junto ao mar. Parecia um caminho mais rápido mais suave e mais bonito. A descida da arriba é íngreme e está em mau estado, mas arriscamos.

A arriba vista de baixo é tão imponente como vista de cima, mas parece mais segura.  Tivemos a sorte de estar na maré baixa. Este trajeto da Aguda ao Magoito em maré baixa com a arriba dourada banhada pelo pôr-do-sol, com marcas de derrocadas e os estratos geológicos bem limpos, é digna de um pintor. As figuras desenhadas pela diferente textura e as sombras que os diferentes planos projetam, parecem talhadas a cinzel.

Pequenos terraços de rochas de desníveis suaves formam pequenas lagoas e  contornam praias dispersas. Rochas de algas cobertas ou de seres marinhos, como lapas, vão do verde ao bege e cinzento.  Há redutos de rochas mais resistentes, de cores diferentes. As ondas a desfazerem-se contra elas em explosões de espuma formam longas cabeleiras escorrendo.  Há como que uma luta amorosa e constante das ondas em redor das rochas, a tentar cobri-las, a destapá-las, com requebros e explosões de espuma. As cascatas da água a despenhar-se recuam mansamente em pequenas praias de areia e lançam-se de novo na luta.

As gaivotas levantam voo quando alguns humanos se aproximam. Um drone apareceu por ali, como um intruso, simulando o voo das gaivotas, mas com menor elegância. Artefacto com olhos de águia. Alguns humanos passeavam na praia acompanhados por um ou outro animal, normalmente um cão, a tornarem a paisagem mais colorida.

Paisagem perfeita, em final de tarde, em maré baixa, banhada pela luz indescritível do pôr-do-sol.Suavidade serena em que se conjugam gaivotas, pessoas e a velha canção do mar. Há momentos assim, tão suaves, tão supremos, tão puros, momentos não planeados, encontrados por acaso, que nos revigoram e nos impelem a voltar.

Restava-nos a subida da escarpa da praia do Magoito, suavizada pelos passadiços em madeira que serpenteiam suavemente pela encosta.  Continuávamos a olhar os tons avermelhados deixados pelo sol no horizonte enquanto do outro lado da montanha a lua se erguia por detrás das árvores, serena, pálida, inteira.

Apetecia emoldurar a paisagem e, num determinado ângulo, consegui encaixilhá-la num dos postes de madeira.

 Foi uma maneira de a levar comigo.

 

Comentários

  1. Honestamente,tenho de dizer o que sinto.Magnífica descrição em prosa da paisagem.
    Os pormenoires e a maneira como os descreve tornam a paisagem ainda mais bela.
    Conclusão estamos em presença de uma grande escritora.

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  2. Que bela descrição dessa paisagem sublime. São momentos assim que ficam gravados na nossa memória para dar brilho a momentos menos felizes. Revigoram a alma e fazem-nos constatar que viver assim é muito bom. As fotos fazem juz à narrativa da viagem.

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  3. E a paisagem perfeita expressa por um perfeito texto, não se comenta. Olha-se extasiado.

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  4. Para além das magníficas fotografias e da original e bem conseguida moldura, a descrição do passeio foi de tal maneira feliz e sentida que no final, também senti "aquele cansaço bom" de quando fazemos algo digno de ser feito.
    Parabéns.

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  5. Com descrição tão detalhada e bela nas palavras escolhidas, fui transportada para o passeio e quase me senti também a realizá-lo. Boas fotos a completar o quadro

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  6. Tenho pena de não conhecer o local, mas parabenizo-a pela admirável descrição da sua pena, que nos faz ver a paisagem como se de uma imagem se tratasse, que tivéssemos diante dos olhos.
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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  7. Derrocada? "Mordidela" na arriba: Imaginação, originalidade, elegância e bom gosto.

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