Acasos
![]() |
Foto: Alda Carvalho |
Foi num destes dias de
novembro, cheio de sol, que me dispus a uma caminhada pelo meu caminho
preferido.
Como sempre, procurei ir o
mais perto possível dos rios para sentir melhor as suas vibrações. Há um carreiro
pisoteado, junto ao Trancão, mas devido às chuvadas dos últimos dias, estava
todo ensopado e escorregadio.
Um casal com duas crianças
faziam o mesmo percurso, mas o homem, verificando que por ali era impossível ir
sem se ficar totalmente enlameado, procurou desviar-se para a calçada afastada do rio e, vendo a
minha indecisão, avisou-me do perigo e convidou-me a segui-lo.
Aceitei a sugestão agradecendo.
Soube que era do Bangladesh, que ainda não sabia falar o português, que
trabalhava nas obras em Sacavém e que ia mostrar o grande rio aos filhos.
Segui-os a curta distância ao mesmo tempo que os observava. Um casal ainda novo e dois miúdos pequenos que carregavam, cada um deles, um saco de plástico com caixas que pareciam conter comida. Provavelmente iam passar o dia por aquelas bandas. Diziam “bom dia” às pessoas com que se cruzavam. A mulher levava a mão no ombro do marido e os miúdos iam lado a lado. Parecia uma família feliz.
Quando chegaram à foz do Trancão e, diante da grandeza esplendorosa do Tejo, o homem entoou uma canção com voz forte e melodiosa, uma espécie de hino de saudação ou louvor. Talvez fosse de agradecimento, tendo em conta o lugar de onde provinham, talvez fosse de homenagem ao grande rio que ali parece um mar e terá semelhanças com os rios do seu país…
Fiquei maravilhada a ouvir
a canção e só muito lentamente retomei a minha caminhada.
Emocionei-me a pensar que
a distância entre o Tejo e os rios do Bangladesh naquele momento, era nenhuma. Havia
como que um abraço, uma ligação mágica feita pelas almas daquela família. Comprovei que
os sentimentos dos humanos independentemente da cor da pele e da língua falada, eram
muito idênticos.
Quantos tormentos aqueles seres não teriam passado até chegarem ali, mas pareciam felizes e confiantes.
Desejei intimamente que as
suas esperanças fossem cumpridas e senti-me grata ao Universo por me ter
permitido presenciar aquele surpreendente acontecimento.
Bendito seja Portugal por acolher emigrantes; talvez seja a Humanidade a tentar encontrar o equilíbrio. Quem sabe ?
ResponderEliminarA tua foto lembra-me "bandos de pardais à solta" - e não se sabe de onde vêm, por que paragens andaram. Essa história que contas remete-nos para a noção de unicidade do Ser Humano. Que pena que esqueçamos tantas vezes a noção de Humanidade e nos confrontemos com atitudes de xenofobia. É muito bonito o teu relato.
ResponderEliminarE não reparas que eles, estrangeiros, são mais educados para connosco do que nós uns para os outros? Cumprimentam, respeitam. Nós já só cumprimentamos quem conhecemos bem. E acredito que fosse um cântico de louvor ao rio, talvez grato, como sugeres. Continha a gratidão que também nos vai faltando. E temos muito mais que eles. Acredito também que agradecessem ter a família reunida, situação que todos desejam, mas nem todos conseguem.
ResponderEliminar