As consequências dos gestos e das intenções

 

Foto: Alda Carvalho




 

Num dos últimos passeios junto ao rio, chamaram a minha atenção umas flores de corola amarela que, como pequenos sóis, alegram a paisagem irradiando luz. Essas flores irrompem em todo o lado, mesmo nos sítios mais inóspitos.

Caminhava sobre o murete que delimita o caminho e as pedras que em declive protegem o rio. Recentemente tinha observado uma brigada que limpava de ervas essas pedras, mas com a força de viver tinham rebentado de novo e lá estavam as flores.

Caminhava, e ia cortando rentes algumas corolas com a ideia de as lançar na água em louvor a certas pessoas já falecidas, incluindo as que pereceram no rio ao apanharem ameijoas em condições perigosas e aos mortos pelas guerras que assolam o mundo, quando fui interpelada por um ancião que me perguntou, em tom de censura velada, se estava a colher as flores.

Confirmei, continuando a andar e ele a meu lado andando também.

Porquê?

Porque gosto delas . -  Não tinha intenção de revelar as minhas motivações.

Mas assim elas morrem! _ continuou o ancião.

Não morrem não! - respondi só por responder.

Uma vida tem de ser vivida, não pode ser interrompida. -  Afinal o homem era um filósofo!...

Tem toda a razão! -  rematei sem acusar a minha incoerência.

Mas ele continuou:  - Eu todos os dias vou ao Príncipe Real abraçar uma árvore que era a árvore  do Agostinho…Não se lembrava do apelido mas eu calculei e ajudei  - da Silva?

Sim! - respondeu.

E faz muito bem! - disse eu

Felizmente já se voltava para outra pessoa advertindo-a que um certo arbusto tinha minhocas…mas ainda me disse :

 - Gostei muito de falar com a senhora e tenha um bom dia! - Retribuí o cumprimento.

E no pontão lá lancei, uma a uma, as corolas amarelas que me pareceram felizes balançando na ondulação da maré.

Mas contemplando esse movimento e a beleza que também lhe atribuí, fiquei a pensar nas relevâncias do gesto para o qual o ancião me alertara e a desejar que o meu gesto de lançar as flores ao rio tivesse os efeitos por mim almejados.

Saberemos, alguma vez, as consequências das intenções?

 

 

Comentários

  1. Desta vez, vou somente comentar o dito filosófico:
    "Uma vida tem de ser vivida, não pode ser interrompida".
    Interrompida, pode !!!
    Deixa é de ser VIDA e ainda menos vivida.

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  2. Há o ditado popular que diz ".o que conta é a intenção "

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  3. Se as nossas intenções forem concretizadas poderemos , embora nem sempre, ver as suas consequências. Se não passarem de intenções será menos provável. Os gestos parecem-me mais passíveis de avaliação imediata. Não tivesses tu apanhado as florzinhas, não terias ouvido a arengada ... Não há dúvida que te saíste bem da situação e que levaste intenções e gestos a bom porto.

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