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A mostrar mensagens de novembro, 2019

Bilhete postal do Gerês

Ontem choveu desalmadamente  chuva intensa ritmada os brilhos e cores da paisagem embaciados pelo cinzento de um céu baixo e nevoento Hoje o sol descerra a paisagem tornando-a luz encandescente os brilhos e as cores endoidecem Estou acima das árvores  espetadas na vertente escarpada Ontem o som da madeira a crepitar e a chuva a bater no telhado marcavam o ritmo das horas Hoje o silêncio rasgado pelo som  vibrante e prateado da cascata a despenhar-se das alturas captura o tempo e o pensamento Ando mais uns passos  e num recanto encontro-me a sobrevoar a paisagem  no Penedo da Freira   sento-me no seu sofá de pedra revestido a musgo Apetece permanecer neste fluir constante Um passarinho junta agora o seu canto É manhã  Gloriosamente manhã Contemplo ao longe a albufeira da Caniçada a vedar este vale repleto de árvores  de abismos e de água desgovernada a correr  por todo o lado  Uma ...

E no entanto…

Manhã gloriosa  manhã escorreita luminosidade perfeita Um passarito dito rabirruivo deixa-se observar Suavidade outonal dita harmonia E no entanto… Um recém nascido foi encontrado à noite num contentor de lixo por um sem abrigo Um encontro improvável de dois destinos perdidos E no entanto… Mesmo na noite mais obscura há luzes ocultas que trazem a salvação consigo Nos lugares escuros  por vezes aparecem  luzes repentinas

Dêem-me uma cidade

As cidades não visitadas existem na imaginação mas as cidades visitadas também são imaginadas Uma cidade nunca se desvela por inteiro é esse o seu encanto e o seu mistério Dêem-me uma cidade real ou imaginada onde possa misturar-me com as pessoas e a paisagem Dêem-me espaço e tempo para ir além da aparência e mergulhar bem fundo na essência da miragem Dêem-me espaços largos um rio   árvores e gente pássaros e outros seres alados Dêem-me uma cidade vibrante com oportunidades para todos fervilhante de vida e de sonhos Dêem-me cultura e arte a esperar por mim em toda a parte

Ecos da existência VI

Uma pequena haste de ramos inexistentes - breve risco sereno contra o fluir do rio - desenha a beleza íntima das coisas                          * O real oculta-se aos olhos velado por intensa bruma - mais profundos os olhos da imaginação                          * Mais suave e breve que o fluir das águas - a paisagem tecida de brumas

Recordações da China

Ainda tenho nos olhos   árvores seculares biombos vivos e transparentes velando a paisagem em rendilhados acenos Ainda tenho nos olhos   montanhas perfiladas sentinelas etéreas dos lugares com neblinas escorrendo nas gargantas sequiosas como véus diáfanos e esvoaçantes Ainda tenho nos olhos crianças de rosto curioso e delicado pelas mãos dos pais ou dos avós retratos enigmáticos do futuro Ainda tenho nos olhos a grande muralha fita infinita   coroando os cumes e um par de pássaros negros deslizando no vazio a meus pés Ainda tenho nos olhos a imensidão do espaço os simultâneos    as contradições a ostentação da nobreza a dignidade da pobreza Ainda tenho nos olhos e no meu ser as marcas profundas desse povo